PT: Acredito que existe um ponto em que os vários tipos de
arte se cruzam. Por vezes só sentimos o encontro de dois deles, sentimos a
electricidade que transmitem, outras vezes passa-nos ao lado, outras vezes,
simplesmente, não compreendemos. O exemplo mais simples é a música e a dança. É
simples ver como a música e a dança, duas artes, em conjunto criam como que uma
nova dimensão. A música é a arte que mais nos toca - ou pela qual nós nos
deixamos mais facilmente tocar. Quando dá música, ousamos dançar, ousamos
mostrar aos outros as nossas sensações sem usar palavras. Isso é pura energia e
mostra o poder da música. Outro simples exemplo é o canto: o ponto de encontro
entre a poesia ou a escrita e a música. Como disse, a música é pura inspiração,
é uma elevação dos nossos sentidos, é um deixar-se ir, é como se,
deliberadamente, mostrassemos como nos sentimos. Se estamos tristes ouvimos
música triste, se estamos animados mudamos para uma música animada. Isto diz
tudo.
Ao longo destas
semanas foi muitas vezes dito que a moda e a forma como a aplicamos a nós
próprios é uma expressão directa daquilo que somos ou queremos ser. Assim
sendo, tenho duas questões: primeiro, se a música é o nosso ponto mais íntimo,
mais directo e verdadeiro e a moda é uma expressão directa do que somos, como
coexistem? Segundo, se ouvimos música de acordo com a forma como nos sentimos,
não nos adaptaremos a nossa moda à forma como nos sentimos também?
As respostas a estas questões dariam, certamente,
material para uma tese e esta seria um feixe de luz para todos nós.
Infelizmente, não há para mim como, nestes minutos que dedico a escrever este
texto, investigar e procurar sabê-las. Posto isto, responderei apenas com
intuição, com o coração, com aquilo que sinto. E, sendo isso o mais vulnerável
que tenho, creio que se adequa exactamente ao que procuramos.
Quando acordo de manhã e ninguém está à minha volta, a
observar-me ou a exigir-me coerência, deixo-me ser incoerente. Deixo-me sentir
sentimentos contrários se assim quiser. Nesse momento, toca na minha cabeça o
“Where is my mind” e, enquanto vou andando, o mundo faz perfeito sentido. Tudo
está no lugar. Há silêncio para além das notas na minha cabeça mas no ar há
pura arte. Há sentimento, há vulnerabilidade, há verdade e há música. Depois, acrescento
mais uma incógnita a esta equação: abro o armário e prostro-me, tentando
decidir como quero que o mundo me veja. Não é decisão fácil e, na maior parte
das vezes, não tomo atenção ao que escolho, não penso que o que visto me
define, até penso que perder muito tempo a escolher pode ser uma futilidade.
Mas é nos dias em que verdadeiramente toca o “Where is my mind” na minha
cabeça, nos dias em que sinto que não há nada que me pode fazer levantar da
cama, que não há nada que valha a pena, em que sinto que esse dia poderia
passar em branco, nesses dias, a roupa que visto é, na mais nada menos, que a
expressão miserável do que sinto, a expressão desesperada, a expressão
absolutamente transparente. E, no final, quando tocam as últimas notas e eu
olho rapidamente para o espelho, nesse segundo, há arte no ar. E depois,
desvanece-se.
EN: I believe there is a spot where the various types of art
cross paths. Sometimes we only feel the two of them meeting, we feel the
electricity they transmit, other times it just passes us by, other times we
simply do not understand it. The most simple example is music and dance. It is
simple to see how music and dance, two types of art, together create a sort of
new dimension. Music is the type of art that touches us the most - or the one
we let ourselves touch more easily. When music is on, we dare to dance, we dare
to show others our feelings and sensations without using words. That is pure
energy and testifies to the power of music. Another simple example is singing:
the meeting point between poetry or writing and music. Like I’ve said,music is
pure inspiration, it is an elevation of our senses, like letting go, it is like
we want to let others know how we actually feel. If we are sad we listen to sad
music, if we are happy we listen to happy music. This just says it all.
Throughout these
weeks it has been said a lot that fashion and the way we make it our own is a
direct expression of who we are or want to be. Therefore, I have two questions:
first, if music is our most intimate place, the most real place, and fashion is
a direct expression of what we are, how do they coexist? second, se we listen
to music accordingly to the way we are feeling, don’t we dress also accordingly
to how we feel?
The answers to these questions would be material for a
thesis, certainly, and said thesis would be a beam of light to us all.
Unfortunately, I have no way of, in these minutes I am taking to write this,
researching and finding the answers. Thus, I will answer only using my
intuition, my heart and my feelings. Being that what is most vulnerable in me,
I believe it is an adequate choice.
When I wake up in the morning and there is nobody around me,
watching me or demanding that I be coherent, I let myself be incoherent. I let
myself feel things that make no sense if I feel like it. In that moment, “Where
is my mind” is playing inside my head e, while walking, the world makes perfect
sense. Everything is in place. There is silence besides the notes in my head
but, in the air, there’s pure art. There’s feeling vulnerability, truth and
music.Then, I add another variable to the equation: I open the closet and ask
myself how I want the world to see me. It’s no easy decision but, most of the
times, I don’t pay much attention to what I pick, I don’t think that what I
wear defines me, I even think that losing too much time chosing is frivolous.
However, it’s in the days when “Where is my mind” is truly playing in my head,
in the days when I feel that nothing’s worth it, that the clothes I put on are
nothing but the plain, truthful, desperate and absolutely transparent
expression of myself. And, at the end, when the last notes play and I glance at
the mirror, in that split second, there is art in the air. And then it fades
away.
Texto / Text: Leonor Capela
Imagem / Photo: Fun Forever
Sem comentários:
Enviar um comentário